Poesia em Sartre e o fotográfico: uma rápida pontuação.

Poesia em Sartre e o fotográfico: uma rápida pontuação.

Sartre vê no poeta aquele que está próximo das “coisas” antes mesmo de chegar às palavras. As palavras vêm ao poeta apenas posteriormente, depois das coisas, insinuando-se de uma forma tal que constituem um mundo a parte do mundo para o poeta. Somente ao poeta esse mundo das palavras é assessível.

“O poeta está fora da linguagem, vê as palavras do avesso, como se não pertencesse à condição humana, e, ao dirigir-se aos homens, logo encontrasse uma barreira. Em vez de conhecer as coisas antes por seu nome, parece que tem com elas um primeiro contato silencioso e, em seguida, voltando-se para outra espécie de coisas que são, para ele, as palavras, tocando-as, tateando-as, palpando-as, nelas descobre uma pequena luminosidade própria e afinidades particulares com a terra, a água e todas as coisas criadas. Não sabendo servir-se da palavra como signo de um aspecto do mundo, vê nela a imagem de um desses aspectos. E a imagem verbal que ele escolhe por sua semelhança com o salgueiro ou o freixo não é necessariamente apalavra que nós utilizamos para designar esses objetos.”

É no momento seguinte do texto que Sartre trás a cena a metáfora de um espelho do mundo. E é ai que eu pretendo colocar algumas interrogações e intersecções por meio de idéias de outros autores sobre a poesia, o poema, o poeta, enfim, termos afins.

O poeta já está fora. Sendo assim, “[..] as palavras não lhe servem de indicadores que o lancem para fora de si mesmo, para o meio das coisas […]”. Para o poeta as palavras seriam uma armadilha para capturar uma realidade fugaz.”

No enunciado seguinte ele fechará o argumento da linguagem como espelho para o poeta: “em suma, a linguagem inteira é, para ele, o Espelho do mundo.” E a partir daí ele falará das conseqüências dessa condição de Espelho do mundo.

Uma digreção antes de me reportar à metáfora do Espelho do mundo. A realidade que o poeta capta pela linguagem em desempenho poético é fugaz. Armadilhas são necessárias, as palavras, para captar essa realidade fugaz. Esse desempenho de jogar a mão ao ar na escuridão ou no lusco fusco do mundo – das coisas, da linguagem, das imagens, das representações – tal como o poeta o faz, é peculiarmente similar ao modo do fotógrafo lidar com a fugacidade.

Talvez, Sartre, ao deslocar o poeta de lugar em relação à linguagem e às coisas, ao colocá-lo como aquele está, em um primeiro momento, do lado das coisas, acaba por colocar a linguagem poética em uma forte condição mimética de Espelho do Mundo. A distinção entre as palavras em seu uso não poético e poético aparece de outra forma em Malarmé; não haverá a necessidade de apartar a contigüidade (estar do lado das coisas) da semelhança ( ser um espelho do Mundo). E esse espelho trás alguma imprecisão; imprecisão que imaginamos ser indispensável à poesia, tudo bem. Vejamos, enfim como Malarmé diferencia a linguagem corriqueira da poética.

Para o crítico e teórico das artes plásticas Clement Greemberg, Marlarmé considerou o som como apenas um auxiliar da poesia: “Para livrar a poesia do tema e dar plenos poderes à sua verdadeira força afetiva é necessário libertar as palavras da lógica [ grifo meu]”. (GREENBERG, Clement. Clement Greemberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte Jorge Zahar, 1997. p. 54.

Na próxima postagem, continuo atrás das afinidades das concepções de moderno-clássicas de poesia com as contemporâneas do fotográfico.

S.alves!

bsb, 20 de jun 2010

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5 Comentários em “Poesia em Sartre e o fotográfico: uma rápida pontuação.”

  1. Sávio Ivo Says:

    puxando brasa para sua sardinha né?

    então tá. só vou colocar mais uma minhoca para passaear pelas cabeças:

    “Eu tenho à medida que designo – e este é o esplendor de se ter uma linguagem. (…) A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la – e como não acho”
    Lispector, Clarice: A Paixão Segundo G.H. 16ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991. p. 180.

    é que eu não acho a realidade passivel de apreensão. o “aparelho” perceptivo era, para mim, o centro da brincadeira. não vejo onde a realidade – se manifestação da percepção, não o contrário – possa ocorrer. romântico né? hoje sou mais descrente. mas não vou chorar pitangas no blog dos outros.

    brincadeirinha realidade/literatura: vc já pensou numa “faca só lâmina”? o João Cabral fez isso. eu quase tive um treco. a realidade, a partir dessa realização na linguagem, alterou a minha percepção. o que nos leva ao tema mais fundamental acerca de toda produção do conhecimento humano: o ovo ou a galinha?

    • ssalvess Says:

      Vamos logo separar duas coisas: o seu comentário parece se dirigir mais ao Sartre do que a mim. Eu pretendo, justamente, por meio dessas pontuações, ir pincelando pensamentos de vários escritores sobre linguagem poética. O que cria uma tensão que inclui sua posição, a de que a percepção é o centro da brincadeira; quero dizer, é ai que vai se localizar seu comentário, entre as minhas resenhas mirins de pensamentos relativos à linguagem poética e/ou à poesia,

      Deus me livre! Se em algum lugar eu acabei indicando ou afirmando que a fotografia “apreende” a realidade! Essa de apreender a realidade, sempre digo, me deixa deveras apreensivo. Será que ao apontar a fugacidade como elemento em comum no pensamento de Sartre relativo à poesia e nas “teorias da fotografia” eu acabei dando brecha para essa tal “apreensão”. Geralmente quem usa esse termo, “apreensão”, não está muito familiarizado com os grandes poemas-pensamentos sobre a fotografia e sobre o fotográfico; Walter Benjamin, Roland Barthes, etc. Ninguém fala de apreensão do real, que eu me lembre. A dificuldade está sempre em entender que a fotografia desempenha de modo peculiar sua relação com as realidades na qual se enfronha. A idéia de vestígio, de rastro, não pode se confundir com apreensão. Fiquei preocupado, vou reler correndo o texto, vou apreensivo!

      Não deu para entender direito o que você fala sobre João Cabral e linguagem. Entretanto, canto uma pedra, a linguagem na poesia, para Jakobson, Mallarmé e os românticos de Iena — que é o que motivou essa série de pontuações, de notas sobre linguagem póetica, que estou fazendo — me lembra o pouco que entendi, mais ou menos, do seu comentário sobre “faca só lâmina”. Escreve mais sobre isso!

      Frisando: o mais importante: por enquanto não é só, pessoal! A idéia é colocar outras perspcetivas de escritores sobre poesia.

  2. Sávio Ivo Says:

    vou maturar as coisas para continuar falando, mas reinvindicar uma tradição teórica para “apreender” x captar, foi sacanagem!

    🙂

    vou jantar e volto depois

    • ssalvess Says:

      Que susto! Esse negócio de apreender o real me deixa apreensivo! 😮 . Fala mais sobre o João Cabral. E sobre ser romântico, é, parece que somo os dois. O modernismo, a arte moderna toda, é filha do romantismo, assim como a pós moderna não deixa de ser um retorno ao barroco, passando pelo neoclássico. Será? Vou postar coisas dos românticos de Iena, mais adiante!

  3. Sávio Ivo Says:

    eu sou uma criatura mais intuitiva do que crítica. estava escrevendo para vc e percebi umas coisas: o seu texto toca no tema arte/vida – talvez, daí puxei o tema do romantismo – quer ver? texto seu ou escolhido por vc:

    A realidade que o poeta capta pela linguagem em desempenho poético é fugaz

    Esse desempenho de jogar a mão ao ar na escuridão ou no lusco fusco do mundo – das coisas, da linguagem, das imagens, das representações – tal como o poeta o faz, é peculiarmente similar ao modo do fotógrafo ligar com a fugacidade

    A distinção entre as palavras em seu uso não poético e poético aparece de outra forma em Malarmé; não haverá a necessidade de apartar a contigüidade (estar do lado das coisas) da semelhança ( ser um espelho do Mundo)

    Para livrar a poesia do tema e dar plenos poderes à sua verdadeira força afetiva é necessário libertar as palavras da lógica [grifo seu]

    enfim, tem qualquer coisa que me soa como um programa ético.

    o seu tema acaba sendo arte/vida (dada, barthes, deleuze, marllamé, os romanticos, os amiguinhos de frankfurt)x sistema de produção/alienação (sartre e greemberg). isso eu comentei no post que eu não mandei porque estava confuso demais. um dia eu chego lá. associo o sartre e o greemberg a uma discurso retórico, mais do que crítico e comprometido com interesses específicos (ideológicos e de mercado, não que os outros não tenhas, mas desses dois eu não gosto!)

    a conversa do romantico vem daí. dessa tradição que defende que o trabalho de arte tem como objeto/objetivo/programa a percepção do real. diferente de um exercício de técnica (a academia, o parnasianismo etc) e ou de retórica.

    daí volto ao caetano veloso quando ele comenta que “o que me interessa em arte é dar qualidade de percepção DO real” (ou qualquer coisa assim), pois então, a questão é fazer emergir. é o que indica a tradição de pensamento que vc cita e admite como “simpático” a ela. daí haroldo de campos ler poesia japonesa medieval com a mesma tesão que lê kafka ou leminski ou restos de cartazes colados num muro.

    voltando ao tema arte/vida, dizem por aí que isso implicaria na “morte da arte”, coitada. o que seria verdade se não fosse a “imprecisão” própria da poesia tanto quanto das criaturas em função mesmo das suas possibilidades/limites de percepção.

    a arte não morre na medida em que a realidade é mais absurda que qualquer imaginação. e até mesmo pela experiencia poética – não falei artistica – que altera a estrutura de percepção do sujeito, portanto, a percepção da realidade.

    isso não vai dar camisa para ninguem (sistema de produção/mercado) por isso o ferreira gullar fala que arte tem um estatuto básico com esquema de mercado (pintura, escultura, desenho). daí o sartre stalinista de merda – lembra disso – falar em mimesis, e do greemberg ter vendido o peixe de nova iorque como o eixo do mercado de arte do pós-guerra.

    e como o samba da minha terra deixa a gente mole e para um bom vatapá tem que ter uma baiana que saiba mexer, vou botar o meu corpinho na roda com toda a informação acumulada na minha cachola e sair caminhando contra o vento e cantando desafinado. romântico né?

    🙂

    and that´s all folks and so romantic!


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